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Por que a sociedade não deu certo?

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Jéssica N. Galvani

Jéssica N. Galvani

Sou advogada e empreendedora, apaixonada pelo aprendizado. Inquieta e curiosa, encontrei no universo das startups a interseção entre paixão e formação. Com a Elas Resolvem, busco transformação social por meio da colaboração e igualdade de gênero.

Você já parou para pensar que sociedade é igual casamento? Afinal, dependendo do trabalho, você vai passar mais tempo com o seu sócio do que com sua esposa ou marido.

E, como todo ato de se relacionar, demanda atenção e cuidado, deve ser nutrida para ser preservada e o diálogo eficiente faz muita diferença.

Hoje vamos falar de um assunto polêmico, as sociedades, como elas começam (ou deveriam começar), como elas se mantêm e como elas terminam.

No artigo de hoje também vou contar para vocês um dos casos vivenciados na minha jornada como uma advogada que resolveu focar os atendimentos na mediação de sócios/sócias, e acredite, o que me levou a esse nicho foi a minha experiência em divórcio e mediação.

A busca do par ideal: a escolha do sócio/sócia

Talvez você não tenha pensado sobre isso, mas buscamos pessoas para reforçarem nossas crenças, ou seja, aquilo que acreditamos consciente e inconsciente, sejam coisas boas ou ruins. Ainda que sejam os seus valores, eles também estão incluídos aqui.

Quando você sai em busca do seu par perfeito são muitos os obstáculos, a família gostar, o “santo bater”, os interesses (seja dinheiro, status social), as expectativas estarem (aparentemente) alinhadas, e o principal, o amor.

Contudo, vale lembrar, tem gente que não quer casar – e isso não é um problema – portanto é um mito, na minha opinião, que você precisa ter um(a) sócio(a) para ter sucesso, pois existem inúmeros casos de sucesso de empresas com uma pessoa só, não para o todo, mas você tem a possibilidade de contratar, que na mesma analogia seriam os “namoridos e namoridas”.

Para as que buscam o casamento, quando a pessoa busca uma relação de sociedade ela precisa lembrar que sem alinhamento de expectativas ou sem o conhecimento do perfil da pretensa(o) sócia(o) alinhados aos seus valores, uma hora a casa cai, e de quase todos os clientes que já atendi, o desfazimento se deu por isso aqui.

Existem diversas situações, como os casos dos que não querem largar o osso, entraram na sociedade, não estão no dia a dia, mas também não querem sair, para poder garantir que se a empresa crescer, estarão lá para lucrar, e as custas do trabalho da outra pessoa, pois esses na maioria permanecem apenas no quadro social.

Acontece que toda sociedade, principalmente no início demanda muito trabalho, esse é o período de maior risco, pois é aqui que acontece o maior índice de mortalidade, inclusive.

A soma de esforços é um fator que parece simples, mas é uma reclamação constante na hora da separação, todo o passado volta à tona para justificar o que cada um dos envolvidos considera “justo”, mas a visão do justo existe a partir de uma definição em cada dicionário particular.

Afinal, é justo receber um valor por sua saída sem ter trabalhado? É justo não receber de acordo com o crescimento da empresa sendo que você ajudou a fundar? Trouxe dois exemplos clássicos de argumentos que sempre escuto.

Para definir o que é justo dentro da sociedade que está sendo criada, é fundamental conversar, escrever um acordo de sócios, documentar pontos importantes também no contrato social (nos casos de Sociedade Limitada).

“Faça contratos como inimigo.”

Certa vez ouvi a frase que não me recordo de quem foi, mas dizia assim: “faça contratos como inimigos”, e eu ouso concordar, estipule em documentos todos os cenários, incluindo o pior cenário possível, isso fará você poupar eventuais dores de cabeça, primeiro, pois alinha o que (as)os sócios(as) podem esperar e evita margem de interpretação, segundo, diminuem as possibilidades de ruptura.

O acordo pré-nupcial (acordo de sócios)

O acordo de sócios foi positivado, primeiramente, no Direito Italiano, e incorporado à legislação brasileira por meio da Lei de Sociedades Anônimas.

E você pode estar pensando: “mas eu sou uma sociedade limitada!”. E sim, não se preocupe, estou falando da Sociedade Anônima pois é a partir dela que você pode aplicar o acordo de sócios também para as Sociedades Limitadas.

Assim, apesar do acordo de sócios estar previsto no art. nº 118, da Lei nº 6.404/1976, você pode inserir no seu contrato social a aplicação supletiva das regras deste artigo à sua sociedade e eu vou falar sobre isso mais para frente.

Pela linguagem técnica é assim, o Acordo de Acionistas para Sociedade Anônima, e o Acordo de Quotistas para Sociedade Limitada. Para o artigo vou me referir também com a expressão ‘acordo de sócios’, que é popularmente conhecida.

Vale ressaltar que neste artigo não entrarei no mérito dos outros tipos societários por saber que, na prática, é a Limitada que é a queridinha entre as constituições societárias por diversos motivos.

Agora cabe esclarecer o que é o acordo de sócios/acionistas. O acordo de quotistas/acionistas é um contrato que disciplina sobre os assuntos da sociedade, de sua estrutura e forma de operação,  bem como regula o exercício dos direitos e obrigações dos quotistas/acionistas decorrentes de suas ações/quotas e determina o relacionamento entre eles dentro da sociedade.

Ou seja, não deve se confundir com os atos constitutivos, com o contrato social da Limitada, uma vez que versa sobre os direitos dos titulares das ações/quotas, por exemplo, na venda de sua parte na sociedade.

Outro ponto de diferença entre os documentos é que o contrato social (para Limitadas) ou estatuto social (para Sociedades Anônimas) é particular, ou seja, esses primeiros precisam ser levados a registro, mas o acordo não necessariamente.

A Lei prevê da seguinte forma, art. nº 118, da Lei nº 6.404/76: “os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle, deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.”

Desta forma, como mostra o artigo citado acima, alguns são os temas legalmente definidos para constarem no acordo, são eles os seguintes objetos: exercício do direito de voto e poder de controle; preferência para aquisição de cotas/ações; compra e venda de cotas/ações. E aqui fica a orientação do que colocar no seu próprio acordo.

Essas hipóteses são as legais, mas os estudiosos do Direito Empresarial/Societário doutrinam que o acordo de sócios, independente do tipo de sociedade, não precisa se limitar ao que prevê o artigo anterior, é de liberalidade dos sócios definirem outros assuntos para tratarem sobre, desde que não proibidos por lei.

Agora vou comentar um pouco sobre o meu nicho dentro do Direito Empresarial, que são as startups, esse documento é imprescindível para mostrar para possíveis investidores a organização da sua casa, uma vez que é um ponto importante de governança corporativa independente do tamanho da sua empresa.

Não deixe a “vida te levar”, pois quando entra dinheiro a coisa muda de figura. Quando você escreve as intenções de todos os envolvidos, como já disse acima, existe a previsibilidade de cenários, isso faz com que diminua a chance da empresa morrer por conta de briga entre os sócios, por exemplo.

Se você quer começar redondo, elabore o seu acordo de sócios, delibere sobre as vontades dos envolvidos, ele pode ser personalizado e atender às suas necessidades. Para o negócio jurídico ser válido deve respeitar a vontade (livre, consciente e voluntária), lícito, possível, determinado ou determinável, os agentes serem capazes, e a forma prescrita ou não defesa em lei.

Até que o ego nos separe – caso real

Neste tópico vou trazer um caso real para vocês terem uma ideia de como as situações, apesar das peculiaridades, têm pontos em comum por se tratarem de pessoas. Aqui vou me ater às questões pessoais envolvidas nos casos e não sobre o desenrolar jurídico da situação.

O caso escolhido foi de uma sociedade entre duas pessoas que se conheceram a partir de um objetivo comum, criar uma startup, elas começaram sem formalização jurídica, uma vez que  por um tempo não possuíam CNPJ ou qualquer outro documento ‘interno’, como citamos sobre o acordo de sócios(as).

No mundo de startups a pretensão de escalar, crescer, é grande, mas quando começam, os envolvidos não iniciam (em regra) pensando em como podem crescer. E foi esse o caso acima.

Ocorre que, dependendo do quanto a solução da startup é disruptiva, demora um tempo para entrar no mercado de forma “rentável”, ou seja, no bom português, que (as)os sócios(as) possam sobreviver apenas com o Pró Labore dessa atividade.

A realidade de cada um é única, nem todo mundo tem a possibilidade de esperar financeiramente, já que os boletos chegam, e um(a) dos(as) sócios(as), após um ano de esforço exclusivo, decidiu se afastar para buscar um emprego. As partes conversaram, acordaram que tudo bem, mas que estava na hora de criar o CNPJ.

Com o CNPJ criado, agora existiam juridicamente e também eram sócios(as) legais, não apenas de fato, cada um com sua devida participação em quotas.

Acontece que não houve nenhum registro para o futuro da empresa, embora o cenário estivesse mudando e muito, apenas um(a) dos(as) sócios(as) seguiria com dedicação exclusiva, apesar da divisão do capital social ser pela metade entre os dois.

Qual a chance de isso dar certo, considerando tudo que já falei no início deste artigo com relação ao que é justo? Nenhuma.

Sem acordo de sócios a empresa continuou, o(a) sócio(a) que continuou no negócio o duplicou de tamanho, ao fechar contratos de grande quantia financeira para empresa, o que fez aumentar os resultados financeiros.

Ao final do relacionamento a parte que continuou me relatou o desejo de terminar a sociedade, pois como já estava sozinho de fato, não existia razão para continuar trabalhando para alguém que não ajudava. 

Como toda história tem dois lados, pelo viés da imparcialidade, que rege a mediação, o argumento contrário também é válido, que é o argumento do “meu filho”, uma vez que fundou o negócio, gestou a ideia.

Não estou aqui para questionar argumentos pessoais, mas como advogada devo orientar, esse tipo de situação poderia e deveria ter sido solucionada com uma boa conversa, por alinhamento de expectativas e, a partir daí, documentado o acordo de sócios(as).

Eu poderia citar mais inúmeros casos com o argumento, na hora de dissolução societária, de que algum dos sócios não trabalhou, não trabalhou o suficiente, mas isso sequer pode ser ponto de discussão legal a depender do cenário jurídico existente. 

Se for por vias judiciais, é preto no branco, se for por vias consensuais, caberá propor soluções a partir do cenário que está configurado. Quando me refiro ao que tem, digo que as startups, por exemplo, de forma geral não possuem liquidez na hora da saída dos sócios, então isso fica inviável de resolução consensual, ou seja, partindo do que propõe-se com a negociação, o modelo ganha x ganha.

A importância do diálogo em qualquer relacionamento

Eu não quero com este artigo te desanimar de ter um(a) sócio(a), pelo contrário, te recomendo que comece certo para que esse relacionamento de sociedade seja um casamento de sucesso.

Como advogada consultiva, eu trabalho com os dois cenários, de prevenção e de resolução alternativa para disputas, por estar nas duas pontas eu te garanto que é possível. Se você não se sentir confortável em fazer o seu acordo de sócios, busque um profissional de sua confiança.

Vou citar um caso de sucesso popular e duradouro, o caso dos três sócios, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemman e Marcel Telles, que eu já li o livro Sonho Grande e recomendo para vocês, COMPRE AQUI,  tirarem ideias de como administrar uma sociedade que perdure.

Quando eles contam sobre as características uns dos outros eles relatam serem características complementares, o Marcel diz que o Jorge Paulo é visionário, e o Jorge Paulo comenta que o Marcel e o Beto são administradores. São pontos complementares e isso com certeza é algo que vejo como ponto fundamental de sucesso e longevidade nas parcerias de sociedade empresarial.

Ainda sobre essa sociedade, como fiz a analogia ao casamento, cito um ponto importante que os três falam abertamente sobre o relacionamento deles, que é uma das bases para o casamento e qualquer outra relação interpessoal, a admiração.

Portanto, as principais vantagens de pensar na estruturação e arranjo societários, são governança corporativa, uma vez que poderá delimitar as responsabilidades e as obrigações de todos os envolvidos, bem como as decisões que podem ser tomadas a partir disso.

E também, soluções alternativas para resolução de questões relacionadas à sociedade, para que sempre prevaleçam os interesses da sociedade e não individuais dos seus sócios.

Conclusão

Como nem tudo são flores, resguarde o seu negócio, pense em crescê-lo de maneira sustentável, ou se a sua pretensão não for crescer, que você tenha o relacionamento de forma profissional.

Ademais, tempo é dinheiro, com a previsão dos cenários você não precisará determinar a forma de resolução das questões, isso tudo já estará estipulado e te poupará muito tempo e saúde mental.

Por fim, dentre as diversas cláusulas que podem existir, cito algumas que você pode levar em consideração na hora de documentar o seu acordo de sócios, a confidencialidade, compra compulsória, administração, permanência (“lock up”), dentre outras que posso explicar com mais profundidade em outro artigo, se vocês comentarem aqui que tem interesse em saber mais sobre o assunto.

Como eu trouxe aqui casos reais, convido vocês a escreverem nos comentários situações que vocês já viveram, de sociedades que deram certo, ou que terminaram por conta de casos como esses que trouxe neste texto.

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